Entrevista: com open studio no Centro Cultural Inclusartiz, Lucio Salvatore fala sobre os seus processos artísticos
Artista está utilizando o ateliê coletivo do instituto para produzir obras para a nova montagem da exposição Fluxo Gênico, que fará itinerância pela Europa este ano
Este ano, a exposição “Fluxo Gênico”, do artista ítalo-brasileiro Lucio Salvatore, irá fazer uma itinerância pela Europa. Inaugurada em junho de 2022 no Museu do Meio Ambiente, no Jardim do Botânico do Rio de Janeiro, a individual, correalizada pelo Instituto Inclusartiz, será apresentada ao longo de 2023 em algumas capitais europeias.
Para esta temporada, Salvatore vem preparando novas obras para serem incorporadas à exposição, como desdobramento e desenvolvimento de sua pesquisa. Para isso, o artista está utilizando, desde dezembro do ano passado, o ateliê coletivo do Centro Cultural Inclusartiz como seu local de trabalho. Ao longo deste período, o público e os funcionários do espaço podem acompanhar de perto o seu processo criativo.
“Tem sido um processo de desapego a certas maneiras de trabalhar, produzir fora do meu ateliê onde normalmente trabalho em isolamento, como um eremita. Esta abertura aos olhares dos outros durante o processo é uma experiência nova para mim. O processo fica muito rico, pois a conversa com o público começa bem antes da exposição, e é esta conversa e aprendizado recíproco que mais importa”, conta.
Inaugurada em junho de 2022, “Fluxo Gênico” ocupou o segundo pavimento do Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro com cerca de 24 obras inspiradas em trabalhos científicos realizados pela Diretoria de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio – DIPEQ-JBRJ. Esta foi a segunda vez que o artista, cujo trabalho centra-se em projetos multidisciplinares criados a partir de uma condição de estrangeiro, expôs no local.
Confira abaixo a entrevista completa com o artista.
Lucio, primeiro conta um pouco sobre a sua trajetória como artista. Como tudo começou?
Foi um caminho natural, mas sofrido, como sempre é quando saímos do conforto de um destino privilegiado de economista formado na Bocconi (Universidade Comercial Luigi Bocconi) de Milão para abraçar o desconhecido. A necessidade de me questionar, de tomar consciência do meu instinto de não querer me conformar com a injustiça e o desejo de alcançar o outro foram as forças inspiradoras. Na prática, comecei a criar por uma necessidade de materializar intuições e conceitos em obras que incorporam seus significados e estimulam o espírito crítico e a abertura.
Você nasceu na Itália, mas vive e trabalha no Brasil há muitos anos. Como foi esse deslocamento? O que te chamou atenção no país e, em especial, no Rio de Janeiro?
Minha relação com o Rio começou bem antes da minha primeira chegada. É uma cidade que sempre esteve dentro de mim com toda a sua escala harmônica de contrastes. Não sei o porquê, mas foi assim. Fisicamente, cheguei a primeira vez em outubro de 1999 como viajante, sem documentos. Vivia na época um período de transformações e inicialmente fiquei às margens da cidade, era isso que queria. Logo em seguida, me conectei com pessoas engajadas com questões sociais, que para mim sempre foram determinantes, criei meus laços familiares e, por isso, sou eternamente grato a Isabel Salgado (sua amiga pessoal e ex-jogadora de vôlei, que faleceu em 2022).
Em seu trabalho, você utiliza, principalmente, materiais orgânicos, como folhas e troncos de madeira, além de elaborar pinturas e outras produções que retratam ou fazem referência a esses elementos. Como surgiu esse interesse artístico pela natureza? Fale um pouco sobre os objetivos da sua pesquisa.
A vida é como um sopro que nos atravessa, é a expressão da natureza. Até as culturas e tecnologias artificiais existem somente dentro do sopro da natureza. Agora, a sua complexidade é o que me interessa. Ao meditar sobre uma simples pedra ou uma folha seca entendemos que de simples não têm nada. A complexidade é para mim um desafio, abraçá-la com espírito crítico é o antídoto às ideologias autoritárias que invadiram nossas vidas.
Em 2022, com apoio do Instituto Inclusartiz, você abriu ao público a exposição Fluxo Gênico, no Museu do Meio Ambiente, localizado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Como foi essa experiência de produzir e expor em um espaço que conversa tanto com a sua produção e pesquisa?
Reabrir o Museu do Meio Ambiente, uma instituição gerenciada diretamente pelo Ministério do Meio Ambiente — que durante a pandemia queria transformar o prédio tombado em um hotel de luxo — na época da pior sabotagem das políticas ambientais brasileiras foi uma das maiores conquistas da minha vida artística. Isso foi possível graças ao apoio dos pesquisadores da DIPEQ-JBRJ, com os quais desenvolvi as obras e que pressionaram a presidência para que tivesse todas as autorizações necessárias; e ao Inclusartiz, que está sempre em primeira linha para ajudar quando a causa é justa, qualquer que seja o tamanho do desafio. O meu objetivo era reabrir as portas e acolher por dois meses os visitantes para que pudessem se reapropriar gratuitamente de um espaço público único, e confesso que me emocionei na hora de expor a obra “Defesa do Meio Ambiente” na entrada do Jardim Botânico. Obviamente foi censurada pelo gabinete da presidência na semana seguinte e tive que removê-la, mas a mensagem continuou se destacando no meio das salas expositivas durante todo o tempo que a exposição esteve por lá.
Desde dezembro do ano passado você está utilizando o espaço do Centro Cultural Inclusartiz para pensar e produzir os desdobramentos da série Fluxo Gênico. Como está sendo esse processo de criar em um ateliê aberto com acompanhamento não só da equipe do instituto como também do público?
Tem sido um processo de desapego a certas maneiras de trabalhar, produzir fora do meu ateliê, onde normalmente trabalho em isolamento, como um eremita. Esta abertura aos olhares dos outros durante o processo é uma experiência nova para mim. O processo fica muito rico, pois a conversa com o público começa bem antes da exposição, e é esta conversa e aprendizado recíproco que mais importa. São interessantes as trocas com o Paulo (Herkenhoff, curador e crítico de arte parceiro do Inclusartiz), com o Lucas (Albuquerque, Coordenador do Programa de Residência Artística e Pesquisa), com a Frances (Reynolds, Presidente do instituto), que ressoam dentro e que reencontro dias depois em detalhes de trabalhos sem nem saber o porquê.
Há algum elemento do território onde o centro cultural está localizado, na Zona Portuária da cidade, que você está incorporando nesta pesquisa?
A vida da Praça da Harmonia é uma realidade familiar para mim, e esta familiaridade vem de uma correspondência com o imaginário que já estava dentro de mim. A Gamboa é um bairro rico de histórias, ótimo para andar, e eu cresci no sul da Itália, onde a vida comunitária ainda acontece nas ruas. No Inclusartiz, trabalho em frente a uma janela por onde entra o som dos passos das pessoas andando, do VLT, das crianças brincando. Desço para tomar meu açaí com a Rubia (Lopes, Gerente de Operações do centro cultural), tudo é muito verdadeiro, as pessoas são muito verdadeiras. Este espirito está presente nas obras que estou reinventando do zero com sobras de material.
Este ano, uma nova montagem da exposição, incluindo os trabalhos que você está produzindo atualmente, irá fazer itinerância pela Europa, com passagem pela Itália, Espanha e Londres. O que você já pode revelar sobre isso?
O que posso revelar pode ser visto nas paredes do segundo andar do centro cultural. Todos são bem-vindos!