Exposições

INTERSEÇÕES – DIÁLOGOS ENTRE A ARTE CONTEMPORÂNEA E A LITERATURA

23 de Mar / 28 de Mai de 2023

No dia 23 de março, o Centro Cultural Inclusartiz apresenta ao público o projeto Interseções – diálogos entre a arte contemporânea e a literatura. Sob a curadoria de Victor Gorgulho, Curador-chefe da instituição, a iniciativa apresenta nesta primeira edição exposições individuais de Dalton Paula (Brasília, 1982) e Márcia Falcão (Rio de Janeiro, 1985), artistas visuais cujas produções dialogam não apenas com o campo literário, como também conversam entre si.

No dia da abertura das exposições, às 19h, também acontece o lançamento do livro Dalton Paula: O sequestrador de almas, publicado pela Editora Cobogó. A publicação reúne obras do artista brasiliense acompanhadas de textos da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz sobre sua produção e processos de trabalho. Para marcar o lançamento no Rio de Janeiro, será realizada uma mesa de conversa entre Dalton Paula e Márcia Falcão, que será mediada pela curadora Keyna Eleison.

O projeto Interseções – diálogos entre a arte contemporânea e a literatura reforça a vocação interdisciplinar que atravessa as diversas atividades do Instituto Inclusartiz. Desde a sua inauguração definitiva, no último ano, o centro cultural vem desenvolvendo um programa multidisciplinar e de natureza híbrida, reunindo desde seu tradicional Programa de Residência Artística e Pesquisa – em curso desde 2014 – até uma programação expositiva que enaltece tal caráter tentacular das iniciativas do instituto.

“Do casarão à Praça da Harmonia, de sua sede no Rio de Janeiro até outras tantas cidades mundo afora, o Inclusartiz segue a carregar, em sua essência, um latente desejo de fomentar a cultura, não apenas no circuito da arte contemporânea mas, para muito além, busca alcançar territórios de fricção e aproximação entre as artes visuais e outras linguagens, como o teatro, a música, a dança e, no presente projeto, a literatura”, conta Victor Gorgulho.

Duas exposições individuais inauguram o Interseções: “A abertura dos olhos”, de Dalton Paula, na primeira sala do espaço expositivo do primeiro andar, e “Pai contra mãe”, de Márcia Falcão, que ocupa a sala seguinte, de modo que a autonomia das mostras e dos trabalhos de cada artista seja respeitada, ainda que sejam inúmeros os pontos de interseção e conexão entre a produção de ambos.

“A abertura dos olhos” reúne alguns dos primeiros experimentos artísticos de Dalton Paula, em um momento de sua trajetória em que a foto-performance e o uso do vídeo atravessavam profundamente sua prática, realizando atos performáticos ora para a câmera estática ora para fins audiovisuais. Dentre as obras expostas, estão algumas das primeiras incursões do artista nestes campos, ainda distante de produzir no campo da pintura, por exemplo – seja em tela ou em suportes como livros ou alguidares, pratos e vasos de barro comumente empregados em cerimônias religiosas do candomblé, por exemplo, além de sua funcionalidade cotidiana, na forma de pratos para a alimentação.

Nestes trabalhos, já distantes da produção atual do artista, podemos testemunhar o peculiar momento em que Dalton retratava o seu próprio corpo – ou o corpo negro, de um modo geral – com seus rostos e olhos usualmente vendados, cerrados ou mesmo cobertos por algum objeto ou aparato. Um segundo grupo de obras – três pinturas oriundas de sua famosa série “retratos brasileiros, em que pinta o rosto de lideranças negras históricas do Brasil – nos revelam a abertura dos olhos destas personagens, cujas memórias foram apagadas pela historiografia tradicional e são, hoje, reescritas na delicada e potente obra do artista.

Em outra sala, será apresentado o conjunto completo das pinturas produzidas pela artista carioca Márcia Falcão especialmente para a nova edição do conto “Pai Contra Mãe”, de Machado de Assis, recém-publicado também pela Editora Cobogó. Escrita em 1906, a obra, uma das mais brilhantes do autor, faz um duro retrato da sociedade brasileira de sua época. Ao apresentar o personagem Cândido Neves, que “cedeu à pobreza quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos”, Machado de Assis expõe com crueza a miséria e a violência vivida por negros e pobres no Brasil. Para o jornalista Tiago Rogero, que assina um texto na publicação, as pinturas de Márcia Falcão destacam a “assertividade contra a barbárie” do texto original e “abrilhantam esta edição”. Seu estilo figurativo e expressivo, carregado de um olhar combativo às desigualdades sociais e de gênero, pontua a leitura com imagens intensas que reforçam a conexão entre o conto e a contemporaneidade. Afinal, Machado deflagra violências que persistem em pleno século XXI.

SOBRE OS ARTISTAS

Dalton Paula 

Dalton Paula nasceu em Brasília, em 1982. Vive e trabalha em Goiânia. Em sua prática artística, emprega pintura, performance e instalações e, por meio dessas diversas linguagens, tece relações entre imagem e poder. Em seu repertório sígnico, a figura central é o corpo negro em diáspora, seus ritos e rituais. Destacam-se, em sua produção, pinturas em larga e pequena escala sobre diferentes suportes e também seu interesse contínuo pelos retratos, que constituem uma proposta de revisão da historiografia oficial. As pessoas retratadas são figuras históricas ligadas à diáspora africana, e muitas tiveram sua imagem e atuação apagadas. Nas instalações, Dalton desenvolve essa linha de investigação acerca do Atlântico Negro e sua rica linguagem simbólica.

É bacharel em artes visuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e seu trabalho integra coleções importantes, como a do Museum of Modern Art (MoMA), de Nova York; da Pinacoteca do Estado de São Paulo; e do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Seu trabalho foi exibido na 32ª Bienal de São Paulo (2016), com curadoria de Jochen Volz, e na Trienal do New Museum (Nova York, 2018), com curadoria de Gary Carrion-Murayari e Alex Gartenfeld, além de figurar entre outras exposições coletivas. Apresentou em Nova York a individual Dalton Paula: a kidnapper of souls (2020) na galeria Alexander and Bonin. Dalton inaugurou o programa de exposições da Sé galeria com a exposição e um terremoto sereno e imperceptível arrasou a cidade… (2014) e realizou as exposições individuais Amansa-Senhor (2015) e Dalton Paula: entre a prosa e a poesia (2019). É representado pela Sé galeria, São Paulo, e Alexander and Bonin, Nova York.

Márcia Falcão

Márcia Falcão nasceu no Rio de Janeiro, em 1985, foi criada no bairro de Irajá e vive e trabalha no subúrbio carioca. Partindo da própria experiência, as pinturas figurativas da artista apresentam expressivas representações do corpo feminino, sublinhando a complexidade do contexto social em que este se encontra inserido, atravessado por uma paisagem dubiamente bela e violenta. O feminino, a maternidade, os padrões de beleza e a violência de gênero são temas recorrentes que perpassam suas telas, marcadas pelo gesto e pela fisicalidade. Em 2022, a artista apresentou sua primeira exposição individual em São Paulo, na Fortes D’Aloia & Gabriel, um desdobramento da mostra ocorrida na Carpintaria, no Rio de Janeiro, em 2021. Entre suas principais exposições coletivas destacam-se: Parábola do Progresso (2022), Sesc Pompeia, São Paulo; MAR + Enciclopédia Negra (2022), Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro; Crônicas Cariocas (2021), Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro; Engraved into the Body (2021), Tanya Bonakdar Gallery, Nova York, entre outras.

SOBRE O LIVRO DALTON PAULA: O SEQUESTRADOR DE ALMAS

Dalton Paula: O sequestrador de almas (Editora Cobogó) reúne obras do artista acompanhadas de texto da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz sobre sua produção e processos de trabalho. A partir da leitura e do diálogo com a história da diáspora africana na formação do país, o livro apresenta as extensas pesquisas – viagens, conversas, fotografias, colagens, diários – para a elaboração das pinturas, desenhos, instalações, performances, vídeos e fotografias de Dalton Paula, que têm a memória, as biografias do passado e os saberes ancestrais como elementos centrais.

O universo subjetivo, afetivo e criativo de Dalton Paula faz de sua arte um diálogo com a história das pessoas negras no Brasil. Seus retratos colocam em protagonismo personagens negras, em sua maioria invisibilizadas pelas narrativas coloniais. O conjunto de quadros evidencia como a população negra nunca foi passiva diante das violências a que foi submetida no país: muitos dos retratados são figuras históricas da resistência contra a escravização dos negros e da luta pela liberdade.

Quando recria a imagem de nomes como Machado de Assis e Lima Barreto, Dalton Paula inverte a lógica de retratos coloniais, que costumam “embranquecer” pensadores negros e negras do cânone nacional brasileiro. São destacados, propositadamente, estereótipos visuais e sociais que marcaram as populações afrodescendentes no Brasil e no exterior. Ao transformar essas características físicas em motivos de orgulho, sua pintura imprime aos retratos, dignos e imponentes, uma marca autoral e de respeito.

Em algumas obras, no entanto, as pessoas negras não aparecem representadas em retratos, mas a partir de uma grande ausência expressa pelo silêncio e pelo vazio. “Se o corpo negro carrega consigo os traumas da sua experiência, a narrativa visual desse artista é curativa ao retomar a violência do passado na lógica da contemporaneidade, ou mesmo o peso da escravidão e da linguagem da desigualdade, com uma arte que celebra e louva as subjetividades negras. Mas a arte de Dalton faz mais, liberta essa que é uma ‘sobredeterminação branca’; a negação da representação negra, com a construção da experiência e do espaço imaginativo dessas populações na qual se inclui. Por isso, sua obra é respeitosa e afetiva. Com ‘gratidão’, como Dalton Paula gosta sempre de dizer”, relata Lilia Schwarcz sobre Dalton Paula.

O resultado “é uma pinacoteca de fantasmas da intimidade, que jamais estiveram tão vivos. Um mergulho no tempo dos antepassados, das suas andanças e sabedorias, que restaram como incômoda ‘ausência presente’ nos objetos que ganham vida no espaço infindo que é o território das relações e da própria memória”, descreve a autora.

SOBRE O LIVRO PAI CONTRA MÃE

Um dos textos mais brilhantes de Machado de Assis, Pai contra mãe, de 1906, faz um duro retrato da sociedade brasileira de sua época. Ao apresentar o personagem Cândido Neves, que “cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos”, o autor expõe com crueza a miséria e a violência vivida por negros e pobres no Brasil. Esta edição da Editora Cobogó, ilustrada por uma série de pinturas da artista carioca Márcia Falcão, criadas especialmente para o livro, conta com um ensaio crítico inédito do professor e pesquisador José Fernando Peixoto de Azevedo e outro da jornalista e escritora Bianca Santana, além de texto assinado pelo jornalista Tiago Rogero, criador do projeto Querino.

“A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais.” Com essa frase, Machado dá início a um de seus contos mais diretos e incisivos, no qual desenha a história de sujeitos que vivem na engrenagem da opressão de um sistema capitalista escravocrata. Pai contra mãe expõe as contradições e complexidades do humano, sempre em emaranhada conexão com o ambiente social, tornando visível nossa violência racial e de gênero. Como escreve Bianca Santana, “interrompê-la não é pauta identitária, é a chance de poderem vingar as crianças, tanto do pai como da mãe”.

As pinturas de Márcia Falcão, como ressalta Rogero, destacam a “assertividade contra a barbárie” do texto original e “abrilhantam esta edição”. Seu estilo figurativo e expressivo, carregado de um olhar combativo às desigualdades social e de gênero, pontua a leitura com imagens intensas que reforçam a conexão entre o conto e a contemporaneidade. Afinal, Machado deflagra violências que persistem em pleno século XXI. Para Rogero, o autor “escancara não só as muitas formas de tortura naturalizadas pela ‘boa gente brasileira’, mas especialmente o fato de que, naqueles tempos – e até hoje – a pessoa africana ou afrodescendente era – e é – uma cidadã de segunda classe no Brasil.” Nas palavras de José Fernando Peixoto de Azevedo, é a história de “uma sociedade que, incapaz de aprender com a própria história, sobrevive numa dinâmica sempre repetida de exclusão e contenção”.

 

OUTRAS ExposiçõesOUTRAS ExposiçõesOUTRAS ExposiçõesOUTRAS ExposiçõesOUTRAS ExposiçõesOUTRAS ExposiçõesOUTRAS ExposiçõesOUTRAS Exposições