Entrevista: conheça Hal Wildson, o novo residente do Instituto Inclusartiz
Artista foi selecionado para o Programa de Residência e Pesquisa por meio de parceria inédita entre o instituto e a 40ª edição do Arte Pará
O goiano Hal Wildson chegou ao Rio de Janeiro no dia 16 de janeiro para passar uma temporada de um mês em residência artística na sede do Instituto Inclusartiz. O artista foi selecionado para o programa por meio de uma parceria inédita entre o instituto e o Arte Pará, que ofereceu uma bolsa para que um dos participantes da 40ª edição da tradicional mostra de arte paraense integrasse o Programa de Residência Artística e Pesquisa do Inclusartiz.
Artista multimídia e poeta de origem mestiça, Wildson nasceu em 1991 no Vale do Araguaia, região de fronteira entre Goiás e Mato Grosso, lugar determinante para entender a origem e as motivações de seu trabalho. Sua pesquisa emerge de sua vivência no sertão do Centro-oeste dialogando com questões sociopolíticas que sustentam o Brasil. Desdobrando-se sobre o conceito de memória-esquecimento, identidade e a “escrita-reescrita” da história, o artista, que atualmente vive e trabalha em São Paulo, se apropria de materiais e processos de documentação que foram utilizados nas últimas décadas para registrar oficialmente a história do país, como a datilografia, datilograma, carteiras de identidades e carimbos.
“Nasci em um lugar do Brasil distante da arte, da cultura elitista e do eixo artístico brasileiro, a minha produção naturalmente partia da minha vivência no sertão, das minhas lutas e dores, fazer arte foi a forma que encontrei de sobreviver. Hoje, mantenho o olhar atento para a história do Brasil utilizando essas memórias como mecanismo de ativação e criação de novas narrativas de combate a desigualdade e as injustiças brasileiras”, conta.
Confira a entrevista completa abaixo.
Hal, você é formado em Letras/Literatura. Quando e como surgiu o seu interesse pelas Artes Visuais?
Sempre me interessei por artes, na infância eu já gostava de desenhar, atuar, fazer música. Embora não houvesse muitas referências artísticas além do que eu via na TV, a arte sempre foi um desejo forte em mim. Cursei Letras porque na minha terra natal não tinha nenhum curso de Artes, o interesse pela escrita, poesia e a literatura me levaram a entrar no curso. Durante esse período de universidade pública o contato com amigas artistas me levou a querer cada vez mais me expressar através das artes, juntos fazíamos exposições, performances, apresentações. Depois disso fui me dedicando cada vez mais às artes de modo geral.
A escrita e a documentação têm um papel de destaque na sua pesquisa. Acha que a sua formação interfere na sua produção artística? Como você relaciona esses dois campos na sua obra?
Acredito que sim. Minha forma de fazer e pensar arte sempre foi interdisciplinar, então unir campos diferentes de pensamento me parece muito interessante e enriquecedor. Acredito que a escrita e a palavras são fundamentais no meu trabalho e se relacionam buscando potencialidades. Em muitos momentos, a escrita fortalece a produção artística visual e o contrário também. A palavra é combustível essencial da minha produção.
O seu trabalho faz uma investigação sobre a memória, muitas vezes tendo como ponto de partida lembranças e arquivos pessoais, como fotos e histórias de sua infância. Qual o impacto de suas experiências e vivências em seus trabalhos? Fale um pouco sobre o seu processo.
A minha origem e a minha história são fundamentais na minha forma de viver e enxergar o mundo, e a forma como vejo as coisas influencia diretamente na minha produção artística. Nasci em um lugar do Brasil distante da arte, da cultura elitista e do eixo artístico brasileiro, a minha produção naturalmente partia da minha vivência no sertão, das minhas lutas e dores, fazer arte foi a forma que encontrei de sobreviver. Hoje, mantenho o olhar atento para a história do Brasil utilizando essas memórias como mecanismo de ativação e criação de novas narrativas de combate a desigualdade e as injustiças brasileiras. Quando falo da minha infância, também estou falando desse Brasil esquecido. Quando produzo sobre o Brasil, é na tentativa de confrontar esses projetos de esquecimento e utilizar a memória como suporte do futuro.
O fomento à arte contemporânea brasileira ainda é muito concentrado no eixo Rio-São Paulo. Como artista oriundo do Centro-Oeste, como você avalia essa dinâmica? Quais obstáculos os artistas que vêm de outras regiões do Brasil precisam enfrentar para se estabelecer no circuito?
Nasci e cresci no interior do Centro-oeste, meu contato com a arte era limitado ao que eu podia ver na televisão e ao pouco que aprendi nas salas de aula. Você cresce pensando que só existe arte nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. A dita “boa arte” está nos museus, as narrativas artísticas habitam esse lugar de status e poder e normalmente estavam longe do sertão. A falta de referência, a falta de estrutura e de boas escolas, o acesso limitado ao conhecimento, tudo isso dificulta a trajetória de um artista que nasce nessas circunstâncias. Para adentrar esse eixo é preciso quebrar muitas barreiras de um sistema que não foi feito para pessoas como eu. Acredito que é muito importante dar espaço para essas narrativas esquecidas. É preciso dar voz e acreditar na arte que nasce no coração do nosso território.
Qual a importância de iniciativas, como as promovidas pelo Programa de Residência Artística e Pesquisa do Inclusartiz, que visam a inclusão e a promoção a nível nacional e internacional de artistas fora do eixo sudestino?
Em um momento histórico como este que vivemos, se torna ainda mais importante ampliar as narrativas dentro do mercado de arte no Brasil, enfatizando a importância do diálogo, da cultura e da inclusão neste período de recomeço no nosso país. O Instituto Inclusartiz é uma força muito presente dentro dessa mudança, acredito que por meio de iniciativas como essa fortalecemos a arte brasileira para que essas potências se tornem ferramentas de transformação social. Penso na arte, na educação, na pesquisa como formas concretas de construir um país mais justo.
Você foi selecionado para o Programa de Residência Artística e Pesquisa do Instituto Inclusartiz a partir de sua participação no Arte Pará 2022. Como foi para você receber essa notícia? Conta um pouco sobre os trabalhos que estavam em exposição por lá.
Foi uma realização muito importante na minha trajetória ter esse reconhecimento, ver meu trabalho ganhar visibilidade e minha pesquisa ser levada a sério por curadores respeitados, como o Paulo Herkenhoff. Para mim, isso já é uma grande conquista. Participei do Arte Pará com três trabalhos que fazem parte das minhas pesquisas atuais sobre símbolos oficiais e projetos de memória-esquecimento. Esses trabalhos possuem uma grande pesquisa histórica do Brasil e um discurso político muito forte, como a bandeira “Monumento à Independência III” por exemplo, que confronta esses projetos de poder da extrema direita ligada à bancada da “bíblia, do boi e da bala” e que trazem à tona esse Brasil colonial e autoritário.
Quais são as suas expectativas para esse período de residência aqui no Inclusartiz? Quais trabalhos/pesquisas pretende desenvolver ou dar continuidade?
Estou muito animado com essa oportunidade e pretendo trabalhar muito, visitar museus, acervos, arquivos, conversar com os curadores e estar atento a todas essas trocas de conhecimento. Esse momento de pesquisa e diálogo é fundamental dentro da minha produção, atualmente estou desenvolvendo um trabalho sobre brasões/heráldica brasileira e o legado deixado pela extrema direita no Brasil. Poder desenvolver essa pesquisa no Rio de Janeiro é muito enriquecedor, uma vez que essa cidade tem ligação direta com a história da República no Brasil.
Quais são seus planos para depois da residência no Rio de Janeiro? Já têm novos projetos em vista?
Neste ano, já têm algumas exposições que vou participar, além disso pretendo trabalhar bastante nessas séries que estão surgindo nesse momento de residência. Acredito que será um ano de muito trabalho e de muitos encontros na arte. É um momento de retomada da Cultura no Brasil, um momento de trabalho sério e de olhar pra frente com esperança.