CONHEÇA TALLES LOPES, NOVO RESIDENTE DA DELFINA FOUNDATION
CONHEÇA TALLES LOPES, NOVO RESIDENTE DA DELFINA FOUNDATION
Artista foi selecionado na Open Call para a região do Centro-Oeste realizada em parceria com o Instituto Inclusartiz.
Talles Lopes foi selecionado para a Residência Artística na Delfina Foundation, em Londres, promovida em parceria com o Instituto Inclusartiz, que abriu uma open call para artistas do Centro-Oeste brasileiro. Talles nasceu e trabalha em Anápolis, Goiás. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), ele vem desenvolvendo seu trabalho artístico e já participou de mostras como a XII Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo no Centro Cultural São Paulo (CCSP), a exposição “Vaivém” no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e a 7ª edição do EDP nas Artes, no Instituto Tomie Ohtake.
Foto: Talles Lopes – Rafaella Pessoa
Nesta entrevista, ele conta um pouco sobre a sua trajetória, fala de sua expectativa para a residência internacional e reflete sobre a produção artística na região Centro-Oeste do país.
01. Talles, se você pudesse se descrever brevemente, quem seria o Talles Lopes? Fale um pouco sobre a sua trajetória até chegar neste momento especial.
Eu sempre fui muito entretido com desenho, imagem, forma e modelagem. Nunca tive nenhum domínio técnico apurado, mas sempre gostei muito e sempre gastei muito tempo com isso. Não venho de uma família que tenha contato ou interesse por artes visuais. Nunca foi nada comum na nossa realidade. Meu pai foi lavrador e depois militar e minha mãe é costureira até hoje. Não fazia parte da nossa realidade o fazer artístico.
Aqui em Anápolis, existe uma escola pública de artes (Escola de Artes Oswaldo Verano). É uma escola pública, do município. Ela é muito importante para nós, é pública, acessível, fica perto do terminal de ônibus da cidade. Com sete anos de idade, passei a frequentar essa escola, saí e voltei com onze anos e foi muito importante pra mim, para me envolver mais com desenho e também conheci pessoas que trabalhavam como artistas, foi uma abertura de mundo para mim.
Depois acabei me distanciando disso, entrei na adolescência, mas continuei desenhando, pintei muito na rua. Gostava de pintar desenho, fazer lambe-lambe. Isso de alguma maneira foi importante para que eu não me afastasse da prática de ofício. Não convivia mais com isso, mas continuei criando, desenhando, como uma prática diária de cotidiano.
Passada essa fase, eu fiz vestibular para Arquitetura na Universidade Estadual de Goiás, em Anápolis. Eu me surpreendi muito com o curso e, nos primeiros dias de faculdade, eu soube de uma oficina aqui em Anápolis também, numa Galeria Municipal de Arte (Antônio Sibasolly), onde acontece o Salão Anapolino de Arte. Acontecia uma oficina de Arte Contemporânea e eu nem conhecia esse termo Arte Contemporânea.
Tive oficinas de pintura e desenho com artistas de Goiás que já tinham uma trajetória. Tive um contato importante com o Divino Sobral, curador e crítico de arte aqui em Goiás. Conheci os conceitos básicos de Arte Contemporânea, foi muito importante por isso. No início, eu tive um grande estranhamento. Achei algo distante. O estranhamento também é uma experiência com arte. Achava tudo muito careta a ideia de galeria, era tudo muito comportado. Eu demorei um pouco pra digerir e me interessar de fato.
Apesar do estranhamento, foi muito importante porque passei a me familiarizar e me identificar não somente com a ideia de expor, com a coisa clean. Passei pelo jeito de fazer as coisas, organizar o pensamento, o modo de operar, o processo de pesquisa. Isso tudo surgiu de forma muito potente e valiosa pro fazer criativo.
Aí que talvez eu me imaginei ou me entendi como uma possibilidade de ser artista , como profissão e me dedicar pro futuro. Isso foi em 2015, quando fiz a oficina e entrei na faculdade. E tudo foi se costurando, as coisas novas que eu tinha contato, a experiência com a galeria, eu sabia muito pouco. Anápolis foi um lugar muito importante nesse processo, me senti acolhido, me deu oportunidade de aprender, descobrir, ter a oportunidade de fazer a oficina etc.
A partir disso, fui me enveredando nessas coisas, passei a produzir com mais dedicação e vigor, reservei um tempo para isso. Em 2015, participei do Salao Anapolino de Arte e, em 2016, fui premiado e o auxílio financeiro foi fundamental. Se não fosse esse recurso, não ia conseguir comprar tinta, papel. A primeira vez que fui em loja de arte eu fiquei muito surpreso com os valores. Se não fosse esse prêmio, não teria como fazer o que eu queria. O prêmio me deu condição de continuar fazendo.
02. Como você acha que a Residência Artística em Londres pode refletir em sua produção artística? Como recebeu a notícia da seleção?
Eu fico com a expectativa de que vai ser um momento de amadurecer e ter uma imersão no trabalho. Acredito que o intercâmbio com outros artistas e a instituição possa enriquecer o repertório e a discussão que está por trás do trabalho. O trabalho de arte é de certa maneira você costurando a sua realidade mais imediata, não necessariamente pessoal, mas subjetiva e local, daquilo que te atravessa como sujeito. É sempre a costura disso com a realidade um pouco mais ampla. O trabalho sempre faz essa ponte entre realidades e contextos diferentes. Acredito que por isso o trabalho é uma maneira muito potente de ler o mundo.
Estar na residência e estar em contato com culturas, curadores e artistas possa criar um amadurecimento e uma complexidade, pode fazer o meu trabalho ser atravessado por uma complexidade um pouco mais ampla. Acredito que o trabalho se torna mais passível e potente de dialogar com as questões mais previsíveis da minha realidade imediata. O trabalho amplia suas possibilidades de diálogo, é um processo de enriquecimento. Por isso a residência é tão importante.
Ao mesmo tempo, penso que a residência também dá uma dimensão muito prática, material da arte, dentro de um contexto social. Nós, como artistas, queremos a oportunidade de trabalhar, de ter retorno disso e se manter. Algo na dimensão de querer ter uma dignidade enquanto trabalho. Isso no Brasil é muito complexo, se paga para trabalhar, trabalha de maneira precária. Você romantiza o trabalho do artista. Você faz porque você ama e muitas vezes você não enxerga o artista como trabalhador. A residência te dá oportunidade de trabalhar, de pesquisar, de aprofundar na sua investigação poética, são condições práticas mesmo. Não somente no momento da residência, mas também o respaldo que segue depois. Imagino que a residência possa legitimar um artista como profissional da arte, a residência é uma das estâncias que promove isso. Penso que seguir com a carreira e a investigação poética é muito mais possível depois disso. Penso que a residência abre caminhos para se continuar trabalhando.
03. Você é graduado em Arquitetura e Urbanismo. Como essa formação influencia, interfere e dialoga com a sua produção artística?
Depois desse momento mais inicial, participei de outras exposições e salões, me aproximei de alguns artistas daqui, conheci São Paulo, me aprofundei na prática artística, na pesquisa, outras coisas. A faculdade de Arquitetura cruzava muito com tudo o que eu estava fazendo. Comecei pintando e desenhando mapas. O que eu fazia era muito alicerçado no que aprendia na aula de desenho técnico.
A gente tinha a fase de desenhar a mão, aprendi muita coisa técnica sobre traço, espessura, trabalhar com nanquim. Coisas básicas e bem técnicas que talvez não sejam tão comuns em uma escola de artes, que eu não fiz. Todo esse repertório prático e técnico foi se desdobrando no trabalho que eu fazia com mapas. Porque fazer um mapa é a mesma lógica de fazer uma planta, por exemplo. O contato com a graduação me fez pensar em cidade, em espaço público e todas as problemáticas disso, em escala da cidade, do país, as escalas das desigualdades e das segregações.
O espaço materializa essas questões que não são palpáveis, são abstratas. Ao mesmo tempo, na medida que foi passando o tempo, fui me interessando muito em como a arquitetura ia contando a história. A arquitetura carrega uma série de discursos, intenções, narrativas, significados. Passei a me interessar muito sobre com como dialogar e lidar com tudo isso que estava atravessado na imagem arquitetônica, não somente na experiência com a cidade.
A minha experiência na minha formação acabou me direcionando para um caminho, para uma pesquisa poética muito específica. Eu usava muito do tempo que eu tinha na instituição para correr atrás disso, de professor, biblioteca. Acaba que tudo era uma coisa só. Talvez não pela escolha, mas pela necessidade de fazer tudo.
Quando eu tava na graduação, participei de um grupo chamado Prisma. Um coletivo em que a gente tinha como principal pretensão fazer um trabalho de assessoria técnica. Um serviço de arquitetura, em escala urbana e coletiva, para pessoas que não tinham acesso a esse serviço. Esbarrávamos muito na questão da autoconstrução. Tiveram muitos mutirões de construção nos anos 80 no Brasil, isso era uma forma possível de acessar a moradia na época.
Partindo dessas discussões sobre direito à cidade, eu acabei pensando muito sobre essa questão de arquitetura que não foi feita por arquitetos, por alguém que não tenha formação e tenha outro repertório visual. Isso acabou me encaminhando para isso que eu tô fazendo agora, de catalogar e discutir essas modernidades que não são a modernidade do Lucio Costa e do Oscar Niemeyer. São espaços que eram construídos por pessoas comuns. Às vezes era construído por um morador, às vezes por um desenhista.
A gente estudava história da Arquitetura do Brasil e era tudo muito quadrado, muito limitado. Estudávamos as fases. Achava muito interessante observar como essas outras construções eram um lugar opaco dentro das histórias. Elas não existiam na história oficial. Então a faculdade e a prática artística se cruzaram nesse e outros momentos.
Foto: “A grande orla de Novo Aripuanã” – Ricardo Miyada
04. Descreva um pouco o seu processo criativo.
Não tenho método ou metodologia definida, formatada, algo que se repita de um trabalho para o outro. No geral, o processo de pesquisa, de acessar arquivo, principalmente online, isso de coletar imagens, de um período específico, ou pensar nas imagens de determinado contexto, que estão falando algo, coisas que estão veladas na imagem.
O trabalho surge no contato dessas imagens de arquivo ou mapas. Imagens que estavam em exposições antigas. São imagens icônicas, que tem valor histórico ou documental. O trabalho vai surgindo na medida que decido me debruçar sobre essas imagens, pensar no que elas estão falando e pensar como o que eu estou produzindo dialoga com essa imagem que estou pesquisando. E como ela pode embaralhar as coisas.
A gente pega as imagens históricas e elas estão se esforçando para contar alguma coisa, uma narrativa, estão muitas vezes carregadas de pretensão. Meu trabalho entra no sentido de embaralhar a história oficial que essas imagens se esforçam para contar. Não no sentido de propor um outro cânone da imagem, mas desfazer uma imagem de cânone, a ponto de não saber onde está o cânone, desfazer essa história, fragmentar e dissolvê-la. Muito mais do que sobrepor uma história por cima. A história oficial é um centímetro da história que acontece todo dia.
05. Quais as suas principais referências artísticas? Que artistas influenciaram a sua formação?
Não tive formação no campo das Artes. Eu percebo que foi uma espécie de escola pra mim aquela parte inicial, das escolas públicas de artes e desenho. Essa convivência de alguma maneira definiu muito meus interesses e gostos pelas coisas. Difícil pensar como cheguei aqui sem relação com esses espaços. Foi uma escola pra mim.
06. Como você analisaria a atual produção artística no Centro-Oeste?
Goiás e o Centro Oeste do Brasil tem um contato com a história muito quadradinha, muito hegemônica, do que são as tradições e heranças desses espaços. Goiás mesmo é sempre aquilo de falar da construção de Goiânia, a década de 30, a cidade moderna. Acho que a produção artística atual é muito interessante porque permite pensar o processo histórico, esse imaginário coletivo que a gente partilha, além de dar outras possibilidades de pensar o esgotamento da narrativa oficial. Dá para pensar em desvio e outros lugares. A produção artística é fundamental e tem um papel super importante nesse sentido. É uma produção que sofre muito porque não tem estrutura laboral, pra trabalhar, fazer o básico. É muito escasso, me parece que no Mato Grosso também é muito complexo.
São regiões que não dialogam entre si no cotidiano. Todo mundo dialoga com o Centro-Sul do país. Ao mesmo tempo, penso que é muito importante fazer um esforço em fazer essas pontes, de dialogar dentro do Centro Oeste. A produção dos artistas, críticos e curadores. Estamos em um contexto mais diverso do que 20 anos atrás. Eu particularmente fico muito animado com o que vejo no Centro Oeste.