Realizada em colaboração com o Inclusartiz, exposição com oito artistas brasileiros é aberta ao público em Londres
Com a curadoria de Lucas Albuquerque, “Whispers from the South” apresenta na LAMB Gallery um recorte da produção artística brasileira contemporânea
No dia 5 de outubro, a LAMB Gallery, em Londres, abriu ao público a exposição “Whispers from the South” [Sussurros do Sul]. Realizada por meio de uma colaboração institucional com o Instituto Inclusartiz, a mostra coletiva tem como objetivo explorar como artistas brasileiros contemporâneos confrontam a noção de subalternidade e repensam a cultura visual através de um exame crítico de sua própria história.
Com a curadoria de Lucas Albuquerque, curador do programa de residência artística do Inclusartiz, a exposição apresenta um recorte da produção artística brasileira atual, reunindo oito nomes de diferentes regiões do Brasil: Ayla Tavares, Hal Wildson, Heloisa Hariadne, Joelington Rivers, Luisa Brandelli, Noara Quintana, Pedro Neves e Talles Lopes. Todos os artistas selecionados compartilham um diálogo comum que desafia a complexidade cultural que molda o país.
“Movidos pelo desejo comum de investigação da identidade cultural, estes artistas questionam os retrocessos históricos incrustados na história brasileira por meio da pintura, do desenho, da fotografia, do bordado e da escultura. Seus gestos poéticos ilustram de forma pungente como as reverberações do passado influenciam o presente e iluminam novos desafios na América do Sul”, explica o curador.
Ao apresentar esses oito artistas, todos apoiados em algum momento de suas carreiras pelo Instituto Inclusartiz, “Whispers from the South” discute o passado colonial do Brasil e reimagina o presente, destacando as culturas locais e seus laços com o Sul global. Cada uma das obras ecoa discussões políticas e estéticas de um país localizado a 9 mil km de distância do local onde os trabalhos estão sendo apresentados, sugerindo uma revolução em curso no domínio das artes visuais – agindo como sismógrafos do seu tempo e anunciando a turbulência que se avizinha.
Os trabalhos
Textos por Lucas Albuquerque
A prática de Ayla Tavares (Rio de Janeiro) explora a intrincada relação entre o artesanato e as camadas de tempo que ele evoca. Por meio do uso da argila e do carvão, Tavares investiga artefatos arqueológicos, arquitetura e objetos que manuseamos no dia a dia para pensar a memória e a vida comum. Na sua prática de desenho, cobre toda a tela com padrões que lembram terra e mar, enfatizando a sua ligação com a cerâmica, material que foi descoberto repetidamente em expedições arqueológicas ao longo da história. Assim, a artista aprofunda a noção da cerâmica como “objeto eterno”.
Interessada nos traços da colonização evocados pelas artes decorativas, Noara Quintana (Santa Catarina) trata dos resquícios da influência do “francesismo” vivido no Brasil no início do século XIX. Ela reimagina suas lacunas por meio de uma Belle Époque tropical, buscando integrar a herança colonial com um retrato afirmativo e diversificado da botânica amazônica. Em sua série “Serpentine Traces” [Vestígios de Serpentina], a artista mescla as grades e cercas populares durante o movimento de artes e ofícios com imagens tropicais, enquanto busca narrativas que unam a Grã-Bretanha e a Amazônia nesse período.
Luisa Brandelli (Porto Alegre) também aprecia a influência da decoratividade em seu trabalho. Porém, sua prática se desenvolve com uma estética mais abstrata. A artista normalmente utiliza materiais comuns, como tecido, fios, lantejoulas e miçangas para criar objetos substanciais de forma pictórica. Ao empregar técnicas de costura frequentemente associadas ao “feminino”, Brandelli desafia os papéis tradicionais de gênero na produção artística. Ela explora a dicotomia entre a “alta” arte e o artesanato, e a distinção entre materiais valiosos e comuns.
O trabalho de Talles Lopes (Goiás) concentra-se nas dinâmicas de subserviência e exploração a partir de uma perspectiva geopolítica. Ele emprega infográficos comumente usados em levantamentos geográficos como ferramentas para expor a história de exploração do país. Na obra intitulada “Universal Language for Local Erasures” [Linguagem Universal para Rasuras Locais], o artista sobrepõe quatro diferentes mapas produzidos originalmente pelo Instituto Geográfico e Estatístico Brasileiro – IBGE durante o mandato do 21º presidente, Juscelino Kubitschek (1956-1961). Este mapa fornece uma janela para as atuais disparidades resultantes de projetos de desenvolvimentismo político e econômico que continuam a deixar a sua marca no país até hoje.
Hal Wildson (Goiás), também nascido na região Centro-Oeste do Brasil, defende um movimento rebelde que reivindica símbolos nacionais, dos quais a extrema direita se apropriou nos últimos anos. Este movimento pretende vislumbrar um projeto de “Re-Utopya”, enfatizando a integração de conhecimentos ancestrais e práticas de cuidado. Em sua última série, o artista utiliza livros consagrados, publicados entre as décadas de 1950 e 1980, que discutem a utopia, a identidade brasileira e o desenvolvimento do país. Com isso, Wildson reconstrói novas interpretações do passado, visualizando-o como um terreno fértil para moldar um futuro melhor.
No Nordeste do Brasil, Pedro Neves (Maranhão) realiza uma exploração pictórica em que a abstração e a figuração se misturam num reino simbólico. Nessa esfera, o corpo, os objetos do cotidiano, a vida botânica e as roupas mergulham o espectador na riqueza das práticas culturais afro-brasileiras. A pintura apresentada na exposição faz parte de uma série contínua em que o artista pinta os sonhos de sua mãe. O trabalho sem título refere-se a um sonho em que duas mulheres falam sobre seu filho (o artista). Na obra, Neves se autorrepresenta com ternura, como um vaso de planta, seguindo a imagem onírica descrita por sua mãe.
Da mesma forma, com foco na ancestralidade, a prática de Heloisa Hariadne (São Paulo) é caracterizada por cores vibrantes que convidam o espectador a uma jornada introspectiva cercada por elementos da natureza como a vida botânica e os animais selvagens. Suas obras buscam entrelaçar pintura e poesia, elaborando uma composição que reflete os anseios de uma nova geração no Brasil. Ao fundir diferentes objetos naturais em formas fluidas, Hariadne cria um retrato suave e íntimo em que a sua contínua investigação interior se torna o terreno onde ela se move entre o abstrato e o figurativo.
Ao apresentar o corpo humano num contexto politicamente frágil, Joelington Rios (Maranhão), natural de uma comunidade quilombola no Nordeste do país, utiliza a fotografia para vislumbrar novos enquadramentos para o corpo negro. Isto envolve retratá-lo para além de uma condição punitiva, mostrando sua glória e força. Na série “What Sustains Rio” [O que Sustenta o Rio], indivíduos de comunidades marginalizadas são retratados como a base de todo o estado, representando simultaneamente a imagem central de um cartão postal que transcende o tempo e o espaço.
Sobre a LAMB Gallery
Fundada em 2015, a LAMB tem como objetivo promover artistas emergentes na Europa e na América Latina. Desde a inauguração de seu primeiro espaço permanente, em Mayfair (região central de Londres), a galeria vem realizando uma programação cultural em defesa de jovens talentos por meio de um intercâmbio constante entre práticas artísticas e curatoriais, mercados e projetos institucionais desenvolvidos no eixo Londres-São Paulo. Em 2019, a LAMB abriu uma sede em São Paulo buscando fortalecer esse intercâmbio cultural entre a América Latina e a Europa.
Serviço
Whispers from the South
Curadoria: Lucas Albuquerque
Artistas: Ayla Tavares, Hal Wildson, Heloisa Hariadne, Joelington Rivers, Luísa Brandelli, Noara Quintana, Pedro Neves e Talles Lopes
Visitação: terça-feira a sábado, das 12h às 19h, até 5 de novembro
LAMB Gallery – 10 White Horse St, London W1J 7LJ, Reino Unido