27 de fevereiro de 2023

Centro Cultural Inclusartiz apresenta “Manhã Nunca Acaba”, primeira individual de Béla Pablo Janssen no Brasil

Artista alemão, que já expôs no Japão, Suíça e França, inaugura no dia 4 de março exposição com trabalhos produzidos ao longo de suas residências no Instituto Inclusartiz e na FAAP

O Centro Cultural Inclusartiz abre ao público neste sábado, dia 4 de março, a exposição MANHÃ NUNCA ACABA, de Béla Pablo Janssen, artista alemão que expõe pela primeira vez no Brasil. A individual irá ocupar parcialmente o segundo andar do centro cultural — destinado a ser um ateliê coletivo e espaço expositivo para os artistas residentes — com trabalhos recentes do artista que, entre dezembro de 2022 e fevereiro deste ano, integrou o Programa de Residência Artística e Pesquisa do Instituto Inclusartiz, em paralelo à sua residência na FAAP, em São Paulo.

Centro Cultural Inclusartiz apresenta “Manhã Nunca Acaba”, primeira individual de Béla Pablo Janssen no Brasil / Foto: divulgação


A pesquisa e as obras de Janssen, que já estiveram presentes em instituições de arte e feiras no Japão, Suíça, França, entre outros países, agora ganham um novo desdobramento em solo brasileiro. Com texto crítico e orientação de Lucas Albuquerque, curador e Coordenador do programa de residência do Inclusartiz, a mostra conta com a série “Horizontal agora vertical” (2022), em que o artista faz uso de guarda-sóis como suporte para a criação de pinturas instalativas que integram seus exercícios de figurar o nascer do sol e materializar, assim, a frase que guia este corpo de trabalhos. Outra série presente na exposição é “Sim, Sim, Segredos Fugazes” (2022), que toma como discussão a condição da pintura, fazendo o uso da alegoria da cortina como pista para a criação de obras que lidam com a autorreflexividade e a representação.

“Mediante o uso de materiais não ortodoxos na tradição pictórica, mas muito comuns para nós, como o TNT e o mosquiteiro, o artista problematiza em seus trabalhos a relação dúbia da pintura, que é ao mesmo tempo suporte bidimensional e possível janela para a representação tridimensional da formação de uma imagem. Para isto, Béla faz uso da autorreflexividade do vidro, que coloca o espectador em cena, como também da alegoria da cortina: aquilo que se interpõe entre a visão e a encenação, que está para além. Comparativamente, posso afirmar que o corpo de trabalho é produzido com interesse justamente nesse lugar, o limiar que separa o dentro e o fora”, comenta o curador Lucas Albuquerque.

A participação de Béla Pablo Janssen no Programa de Residência Artística e Pesquisa do Instituto Inclusartiz, assim como a realização de sua individual, estão alinhadas ao projeto de fomento à arte contemporânea global promovido pelo Inclusartiz desde a sua criação, que tem como objetivo o intercâmbio cultural e o compartilhamento de saberes entre artistas, curadores e pesquisadores a nível nacional e internacional.

Centro Cultural Inclusartiz apresenta “Manhã Nunca Acaba”, primeira individual de Béla Pablo Janssen no Brasil / Foto: divulgação

SIM, SIM, SEGREDOS FUGAZES
Por Lucas Albuquerque

Segundo o mito narrado por Plínio, o Velho, na Grécia Antiga os pintores Zêuxis e Parrásio dominavam com grande maestria o realismo pictórico, sendo capazes de ludibriar a percepção de qualquer um que se deparasse com seus afrescos e painéis. Certo dia, por puro exercício da vaidade, criou-se uma competição de modo a revelar qual dos dois era o mais habilidoso. Zêuxis, respondendo ao desafio, pintou frutas tão suculentas que mesmo os pássaros vieram ao seu encontro para comê-la, incapazes de distinguir entre representação e realidade em suas imagens. No dia seguinte, Parrásio convida o oponente a visitar seu ateliê, conduzindo-o a uma tela coberta por um pano. Zêuxis, de prontidão, ordena o levante da cortina para tirar a prova. No momento em que avança para tal, o pintor se dá conta de que fora vencido pela virtuosidade de seu adversário: o tecido nada mais era que uma representação, tão convincente que enganara não só os sentidos dos pássaros, mas também o olhar de um artista.

Porém, o constrangimento de Zêuxis causado por sua derrota o cegara para o reconhecimento de Parrásio como um dos primeiros pintores a refletir sobre a própria condição da pintura. Séculos mais tarde, em uma tradição pictórica que perpassa as imagens religiosas de Piero della Francesca, a carnalidade e aristocracia de Rembrandt e Vermeer, o impacto da descoberta do inconsciente por Magritte e a investigação formalista de Gerhard Richter, a alegoria da cortina sobrevive como uma lembrança de sua natureza duplamente nebulosa: ao mesmo tempo em que é uma especulação acerca do que está para além de sua superfície, é também materialidade encarnada. Entre o fardo da representação e a planaridade inerente à pintura, a cortina interpõe-se em sua misteriosa condição do cobrir e do mostrar, produzindo novos enquadramentos. Convida à autorreflexão.

As cortinas que figuram nas pinturas de Béla Pablo Janssen estabelecem um jogo de representação e meio material na própria condição de visibilidade que se estabelece. Aqui, tecidos translúcidos e vidros brincam com a ideia do ver através, produzindo uma caçada espiralar daquilo que, em algum momento, dará o ar da graça. O que se dá a ver, porém, é justamente a intrínseca condição da pintura tornada tangível em sua alegoria autorreflexiva por excelência, refazendo-se a todo instante em sua metalinguagem. Produzida durante o processo de residência artística de Janssen no Instituto Inclusartiz e na Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, a série “Sim, Sim, Segredos Fugazes“ (2022) – nome que funciona também como mantra – apresenta o outro, ou seja, o espectador, como parte constituinte de sua completude: a reflexão no vidro e a movimentação do tecido produzido por um corpo em relação constrói ficções acerca do interior e exterior. Ora presença esvaziada, ora ausência em potência.

Há, contudo, na dualidade das relações que não se fixam na produção do artista, um certo flerte com o misticismo que se deixa entrever pelas frestas que escapam ao redor dos vidros. Uma cena é recorrente em algumas das pinturas: nela, galhos e folhas se sobrepõem à imagem de uma escultura ao fundo. Um corpo feminino? Um objeto religioso? Parecendo adquirir sentido pelas bordas, a misteriosa figura escoa na tão convidativa alegoria das cortinas, que convoca consigo boa parte da história da pintura ocidental e, ainda, lhe conservam o direito da dúvida. Liberada do fardo da resposta, a imagem é então negativada, colorida, rotacionada e fraturada, submetendo-se a uma série de experimentações que tensionam o seu próprio conteúdo. Dentro da investigação pictórica, adquire diferentes leituras mediante a sua aplicação. Ainda que uma certa banalidade a encontre de prontidão neste processo, como fechar os olhos ao yin-yang produzido na relação de oposto complementar na obra “Sim, Sim, Segredos Fugazes (two curtains)“? A própria circularidade guarda em si o místico – forma, por excelência, do tempo cíclico divino, da mandala, do ritual. Algo entre o assombro e o místico.

Abre-se, desta maneira, uma outra compreensão para os interesses que circundam o corpo dos trabalhos apresentados. O círculo faz-se presente também na própria ideia de loop que rege a experimentação poética de um conjunto de obras – seja no circuito da fita de música, nos guarda-sóis, no mosquiteiro ou na frase “manhã nunca acaba“, estampada em tecidos e aqui dispostos. Enquanto a leitura formal da cortina traça uma crença no objeto e nas qualidades do meio material, a forma circular realiza uma nova aposta – dessa vez, não na magia da imagem em fazer-se janela, mas no potencial da arte de conduzir um reencantamento do mundo.

Em seu aspecto lúdico e fugaz, os materiais em TNT colorido, cuja candura amacia o olhar, dança na companhia do vento, produzindo uma pintura na qual o uso da cor se estabelece em relação ao seu entorno. Tornando-se fundo nos guarda-sóis da série “Horizontal agora vertical” (2022), o octógono é acompanhado de uma aquarela ao centro, cujo motivo trata de apreensões rápidas do horizonte em seu amanhecer. A frase “manhã nunca acaba” estampa as bordas da pintura-objeto, propondo o potente vislumbre de uma manhã sem fim que, lançado o desafio espaço-temporal, revela-se empiricamente possível na mudança de perspectiva daquele que vê, já que o nascer e o pôr do sol são expressões localizadas em um ponto fixo. A luz que anuncia a alvorada nunca para de surgir em alguma parte do globo, afinal. Forma e texto evidenciam um problema de perspectiva, outro tema caro à tradição pictórica mas que, aqui, indica sua discussão menos no campo da representação e mais da posição. Se o esticamento do tempo pode parecer deveras absurdo a partir de uma ótica física, a solução se deixa ver entre camadas de cor e pinceladas: incapaz de caminhar em presença do sol de maneira contínua, o artista torna perene o seu desejo nas aquarelas. Sem segredos.

SOBRE O ARTISTA

Béla Pablo Janssen (1981) vive e trabalha em Colônia, Alemanha. É graduado em Ilustração, Design e Comunicação pela Hochschule für Angewandte Wissenschaften Hamburg (2007) e mestre em Pintura, com Walter Dahn, pela Hochschule für Bildende Künste Braunschweig (2012). Entre as exposições das quais participou, destacam-se BÉLA PABLO, pela #NotFor$ale, Basel, Suíça (2022); Mit Wenig nach Venedig, na artothek, Colônia, Alemanha (2018); Le soleil se leve derriere l’abstraction, Gallery Jeanroch Dard, Paris, França (2014).

MANHÃ NUNCA ACABA, de Béla Pablo Janssen
Abertura:
sábado, 4 de março, das 16h às 20h
Visitação: até 9 de abril, de terça a domingo, das 11h às 18h
Centro Cultural Inclusartiz — Rua Sacadura Cabral, 333, Gamboa.
Entrada gratuita